Em 1889, Sullivan contra Killion marcou a mudança das
regras do boxe
Em outro artigo, mostramos a importância dos protetores
bucais para os lutadores. Diferentemente do pensamento comum, a função mais
nobre deste dispositivo é a proteção do cérebro, coluna vertebral e queixo do
atleta. Além do protetor bucal, há outro artifício cuja função principal é
facilmente confundida até por fãs de luta. São as luvas.
As Regras de Queensberry, publicadas em 1867, introduziram
o uso das luvas no boxe, dentre outras mudanças. Antes disso, os boxeadores
profissionais lutavam com as mãos nuas, na época do chamado London Prize Ring
Rules. A princípio, as novas regras definiam limites para a prática do boxe
amador, mas, com o tempo, os profissionais na Grã Bretanha e Estados Unidos
passaram também a adotá-las.
No começo, o advento das luvas não foi bem aceito entre os
fãs de boxe. Eles pagavam ingressos para ver demonstrações de coragem e
determinação, o que era subentendido como a capacidade de aguentar pancadas por
dezenas de rounds de três minutos por um de descanso consecutivamente. Para se
ter uma ideia, as esquivas e outros artifícios defensivos eram vistos como
“frescura”.
O público queria ver os lutadores subirem aos ringues para se socar
por rounds indefinidos até que um caísse nocauteado definitivamente, desistisse
ou a polícia interviesse.
Porém, este espetáculo da selvageria (ou de instinto
primitivo puro) tinha um preço alto, impactando diretamente a qualidade do
serviço prestado aos pagantes. Por lutar rounds e rounds sem proteção nas mãos,
os lutadores comumente as fraturavam.
É uma questão simples: os ossos das mãos são mais frágeis
do que os da cabeça. Com a sequência de impactos, era natural aparecerem
fraturas múltiplas, às vezes algumas expostas.
Deste modo, era humanamente impossível manter o ritmo de
golpes lançados com o passar dos rounds.
Com uma – ou ambas – as mãos fraturadas, o(s) lutador(es)
acabava(m) diminuindo a quantidade de golpes e o público, sedento por sangue,
ficava irritado. Portanto, algo precisava ser feito para preservar as mãos dos
lutadores, possibilitando assim que estes pudessem socar mais por mais tempo.
Foi assim que as luvas entraram em ação no boxe profissional – antes disso,
lutas com luvas eram consideradas amadoras ou de exibição. Como diziam os
aficionados na época, “coisa de frouxo”.
Dois processos criminais fizeram então com que o boxe sem
luvas passasse à clandestinidade, com direito a prisão de organizadores e
praticantes. A primeira luta valendo título mundial com o uso de luvas
aconteceu no dia 29 de agosto de 1885, quando o americano John Lawrence
Sullivan, o Garoto Forte de Boston, venceu o descendente de irlandeses Dominic
McCaffrey.
Naquela noite, ele se tornou o primeiro campeão mundial dos pesos
pesados na era das luvas.
Quatro anos mais tarde, desafiando a clandestinidade,
Sullivan novamente entrou para a história como o último campeão mundial sob o
London Prize Ring Rules, sem luvas.
No dia 8 de julho de 1889, ele venceu o
também americano John Joseph Killion, mais conhecido como Jake Kilrain, por
nocaute no 75º round. Esta luta é considerada o marco definitivo da mudança das
regras do boxe para o que conhecemos hoje.
Portanto, diferentemente do que se imagina, as luvas não
foram inseridas no boxe para proteger o rosto dos praticantes, mas sim para
impedir ou adiar fraturas nas mãos. Ou seja, elas foram desenvolvidas para
proteger quem bate e não quem apanha.
Por Alexandre Matos